Eram 18:20 e eu tentava fazer meus pés pararem de tremer para não bater o carro, dez minutos antes de dar a primeira aula da oficina literária que ministrei na Pandora. Enquanto meu lado racional repassava o que preparei para aquela aula, alguns diálogos aleatórios do Twitter e o famoso “o que pode dar errado?”, o outro lado cutucava: “quem é você para ensinar alguém a escrever, para coordenar uma oficina? Eles vão dormir na primeira meia hora. E se alguém desistir depois da primeira aula?”
Vamos voltar um pouco. Por que raios eu resolvi ministrar uma oficina de criação literária?
Primeiro vieram os textos com dicas de escrita que publicava no Scribe. Como editor da Trasgo, eu via os mesmos erros se repetirem entre os autores novatos, não por falta de técnica ou habilidade, mas por falta de um entendimento do que faz um texto bom, uma leitura fluida. A intenção nunca foi ensinar a escrever, até porque as aulas de português do ensino fundamental estão aí para isso. A proposta é que os autores prestem atenção a alguns efeitos, como um professor de cinema chama a atenção para tal ou tal enquadramento.
Os textos ganharam seguidores, e pensei em ministrar um curso com os mesmos conceitos, por que não? Organizei as aulas, vendi o projeto, conseguimos uma turma. Pequena, é verdade, mas ainda assim, alunos. A dúvida veio rastejando. “Eu nunca compraria um curso de um escritor sem nenhum livro publicado. Em que editora esse cara trabalhou? Nenhuma? Pffff.”
Foi minha terapeuta que disse que muitos professores não são tão bons na prática. Muitos são apenas apaixonados pelo assunto, e às vezes se saem melhor do que aqueles para quem a arte é natural. Este argumento foi metade do que eu precisava para me convencer. A segunda metade foi perceber que “eu” não importava. Sim, tenho alguma experiência de dois anos editando a Trasgo (e haja leitura crítica e correção de texto para cada edição da revista), tenho minha cota de contos publicados em coletâneas, e a parcela de livros em avaliação por aí. Mas nada disso importa. Eu tenho gente muito mais interessante do meu lado.
Gente do calibre de Neil Gaiman, Chuck Palahniuk, Stephen King, Luiz Bras e muitos outros. Gente que criou discurso, artigo, livro e material sobre a arte de escrever, material que devoro com voracidade. Meu pequeno mérito consiste apenas em organizar os conceitos espalhados por aí.
Percebi que eu não precisava dominar com maestria a arte de criar cenários fantásticos, elaborar personagens cativantes ou trabalhar o estilo do narrador. Bastaria escolher os exemplos certos. Temperar com alguns exercícios criativos e tentar organizar as aulas de modo dinâmico para que ninguém caísse no sono. Essa foi a parte difícil.
Não nego que há um grande valor em aprender diretamente com a fonte. Mas infelizmente quase não temos oficinas literárias no Brasil. Há alguma coisa em São Paulo, em alguns núcleos universitários e cidades que investem mais em cultura, mas isso deixa de fora grande parte do país. Aqui em Campinas há pouca coisa pelo tamanho da cidade. Esse curso surgiu mais ou menos como a Trasgo: eu queria fazer uma oficina bacana, mas como ninguém aparecia para ministrá-la, montei uma.
Para quem ficou curioso, esta foi a bibliografia do curso, entre exemplos lidos em sala, recomendados ou enviados por e-mail. Os materiais gratuitos estão linkados, o resto você encontra por aí para comprar.
Sobre a Escrita – Stephen King
Galimatar – Fábio Fernandes em Cidades Indizíveis
O Longo Caminho de Volta – Ana Cristina Rodrigues em Cidades Indizíveis
Primeiro de Abril: Corpus Christi – Luiz Bras em Cidades Indizíveis
Passarinha – Kathryn Erskine
Antologia da Literatura Fantástico (Passagens diversas) – Casares, Borges e Ocampo
Nicholas Era – Neil Gaiman em Fumaça e Espelhos
João Anticristo – Rodrigo van Kampen em O Outro Lado da Cidade
Gatos – Laerte
O Consertador de Bicicleta – Bruce Sterling
Human Readable – Cory Doctorow em With a Little Help
Ateliê de Criação Literária – Luiz Bras
O que separa as coisas – Felipe Castilho em Um dia das Bruxas Nem um Pouco Épico
Belas Maldições – Neil Gaiman e Terry Pratchett
Rani e o Sino da Divisão – Jim Anotsu
A Última Árvore – Luiz Bras em Trasgo #06
O Senhor da Foice – Terry Pratchett
Os Caçadores de Sonhos – Neil Gaiman
Quando Fomos Ver o Fim do Mundo – Neil Gaiman em Fumaça e Espelhos
Amores, Exorcismos e uma Dose de Blues – Eric Novello
Antropomaquia – Carlos Orsi em Fantasias Urbanas
The Day the World Turned Upside Down – Thomas Olde Heuvelt em LightSpeed Magazine
Personagens, Argamassa e Tijolos – Erick Novello
The Prophets of Oak Ridge – Dan Zak para o Washington Post
“Thought verbs” – Chuck Palahniuk
10 Reasons to Draft 10 Times – Peter Derk
Para quem é de Campinas
Queremos fazer outra edição desta oficina, mas dependemos do interesse do pessoal para fechar uma turma. Entre em contato com a Pandora pelo e-mail atendimento@escolapandora.com.br e diga que você deseja fazer o curso de criação literária.
Para quem não é de Campinas
Tenho a intenção de criar esta oficina online: o aluno inscrito receberá um texto explicando determinado conceito, e um exercício para fazer, que será corrigido por mim. Assim, as aulas podem acontecer no ritmo de cada um, sem a necessidade de horários rígidos. Quero descobrir se existe demanda para este curso, por isso peço apenas para deixar seu e-mail aqui:
http://goo.gl/forms/Zv9hXcJChD
Espero que todo mundo clique e compartilhe o link acima para que eu consiga montar esse curso online! Vai ser bacana.
PS: Quem preencher o formulário ganha um brinde no final! 😉