“Vamos te levar pra subir o morro”, brincou o mestre-sala no ônibus que me levava até a sede da escola de samba. Precisava tirar a foto para o Contexto, situação que me levou até o Parque Jaraguá, que, verdade seja dita, não é uma favela.
Ainda assim, construções precárias erguem-se aqui e ali de ambos os lados da rua: casas cujas paredes provavelmente nunca terão rebocos, outras de madeira velha, algumas feitas de restos de construções alheias. No meio disso tudo, a escola de samba Azulão do Morro exibe, além de suas fantasias luxuosas ostentando plumas, brilhos e lantejoulas; os sorrisos e a simpatia de Juarez e Cidinha, mestre-sala e porta-bandeira da escola.
Nunca fui muito dado a samba ou carnaval. Provavelmente por isso me pareceu interessante a idéia de que o carnaval nacional, antes de um luxuoso festival exibicionista para estrangeiros e ricos empoleirados em camarotes, é uma festa popular, onde quem mais se diverte está ali na pista do sambódromo, e não nos bancos das platéias.
Mas nem só de carnaval vive o brasileiro.
Enquanto eu esperava o ônibus para voltar, descia a rua um rapaz negro, pouco mais alto que eu, vestindo um rosto jovem, perto dos vinte anos, mas cuja pele corroída pela miséria e os olhos vermelhos e secos impediam de ocultar sua origem humilde. Me pediu um cigarro, eu não fumo. Abaixou a cabeça:
—Mora onde?
—Perto da Unesp. Como a maioria dos estudantes de lá. — Respondi.
—Onde fica isso?
—Do outro lado de Bauru.
—Ahn.
Seguiram-se alguns momentos em silêncio, no qual uma velha, também negra, cujas expressões nem são mais possíveis de ler, tamanha as rugas, marcas e olhos profundos, passou andando fumando um cigarro como se fosse o último no mundo.
—Cê estuda?
—Jornalismo.
—Eu vi cê tirando foto…
Ele respirou fundo, sem fitar-me.
—Eu sô um perdido…
—Como? — perguntei.
—Perdido… Só penso em droga, não consigo pensá otra coisa. Tem jeito não. Como é seu nome?
—Rodrigo.
—Prazer, sou F… Viu, cê não tem um real pra eu comprá pinga?
Impossível privar-lhe, ao menos uma vez, o seu alívio no álcool. Ele subiu a rua, meu ônibus chegou.
A gente aprende uma coisa ou outra sobre a vida às vezes.
*Crônica que daqui a uma semana estará na próxima edição do Contexto.