Esse é um texto que acabei de escrever, mais para ver se eu estou ou não enferrujado. É bem simples, uma idéia que tive nas minhas últimas semanas no Brasil e simplesmente não escrevi… até agora.
De todos esses dias estranhos da minha vida nem um pouco comum, um deles me foi extremamente peculiar. O ano era 2008, eu na época tinha vinte e quatro anos, havia acabado de terminar a faculdade e curtia as últimas férias escolares da minha vida procurando emprego.
Tudo havia começado bem. Acordei, me arrastei até o despertador impiedoso berrando do outro lado do quarto, lavei o rosto, me deparando com um rapaz jovem longe de ser belo, de barba mal feita, olheiras do tamanho do mundo e uma dor de cabeça que mal passava pela porta. Segunda-feira nunca é um bom dia para ressaca.
As coisas começaram a ficar erradas quando em meus e-mails, no meio dos anúncios de crescimento peniano, três mensagens de feliz aniversário se destacavam, não pelos beijos, abraços e cobranças de festas, mas por serem destinadas a mim. Em um pleno 24 de março, quando na verdade nasci em dezembro! Tudo bem, as pessoas se enganam. Curioso é três pessoas se enganarem ao mesmo tempo. Não era uma boa hora para responder corrigindo-as. Talvez quando minha cabeça concordasse em diminuir um pouco de tamanho.
Nove horas da manhã de uma plena segunda-feira, eu ali jogado no sofá com uma tigela de cereal no colo em frente à TV que passava algum desenho clássico de minha infância, totalmente remasterizado com efeitos especiais incríveis. Não sei, eu gostava daquele frame a frame desenhado à mão. Havia decidido começar a procurar emprego desde cedo. Mas aquele raciocínio adolescente de adulto vagabundo me levou a crer que nenhum chefe acorda antes das nove, então não fazia sentido bater nas portas antes disso.
As coisas ficaram realmente estranhas quando o telefone tocou, no momento que eu apertava o nó na gravata. Era a minha mãe:
— Oi filho.
— Oi mãe, tudo bom?
— Parabéns, viu? Estou te ligando pra falar feliz aniversário, antes que você saísse pra rua.
— Mãe? Mas hoje não é… — “Ding Dong”. — Espera um pouco, tenho que atender a porta.
O Eduardo e a Amanda viviam entrando no meu apartamento, tinham até mesmo a chave da porta, mas tocavam a campainha por educação, principalmente de manhã no intento de não me pegarem dormindo ou coisa pior.
— Parabéééns, velho! — O Eduardo me abraçou antes mesmo de eu poder explicar a verdade. Depois veio a Amanda com as congratulações, e eu perdido começava a acreditar em todo mundo. — Você vem com a gente! — Disseram os dois tirando o telefone da minha mão e me empurrando em direção ao elevador, enquanto a Amanda trancava a porta da frente do meu apartamento, o refúgio para o qual eu tantas vezes pensaria em correr durante aquele dia.
Naquele curto caminho de quatro andares me veio a explicação para aquela confusão toda. Quando eu começava a achar que não os outros, mas eu mesmo confundira a data do meu aniversário, uma fagulha de explicação surgiu da Amanda, em tom confessional.
— A gente tava planejando fazer uma surpresa pra você desde a semana passada. Vimos no Orkut.
Orkut… Tudo bem, aquela coisa não é o site mais preciso do mundo, ele erra quase sempre a quantidade de amigos, de comunidades e de mensagens que eu tenho, não era muito difícil errar a data do meu aniversário… Então foi isso o que aconteceu! Havia ensinado a minha mãe a usá-lo no ano anterior, deixei a velha viciada. Só não pensei que ela chegaria ao ponto de desacreditar da própria memória para dar veracidade àquela coisa. Tudo bem, aquilo era apenas um grande mal entendido, que estava na hora de desfazer. A minha boca chegou a pronunciar a primeira sílaba, cortada pela voz tenor do Eduardo:
— Tenho certeza que você vai curtir, cara! Deu um trabalhão, precisamos da ajuda de toda a galera, mas valeu a pena! Você merece, cara! Não é todo dia que se faz vinte e cinco anos!
Não… Eu não podia fazer isso com eles, suas faces de ansiedade e alegria contagiavam, resolvi me abdicar da minha memória e assumir o meu papel naquela brincadeira toda. O que poderia dar errado? No final, aquele seria um dia divertido para ser lembrado.
O planejado foi um almoço com todos os meus amigos, não foi fácil encontrar um horário que todos eles pudessem estar presentes, cada um teve que conversar com seu chefe e dar um jeito, o que me fez sentir mais vagabundo do que o habitual. Mas não era hora para pensar nesses detalhes, e sim de sorrir e receber o abraço de todo mundo.
Não é difícil acreditar que qualquer dia é o seu aniversário quando todos os seus amigos, e até mesmo a sua mãe o parabenizam. Tanto que depois de meia hora eu já falava como se tivesse pulado mais de meio ano direto para um 13 de dezembro. O pessoal reservou quatro mesas em um restaurante bacana, pediu para o chef preparar uma lasanha, meu prato favorito, e ainda deu um jeito de me arrumarem um daqueles bolos de dois andares para a sobremesa.
Um dos meus amigos acabou levando uma colega de trabalho para lá, e em algum momento da festa disseram que ela era cantora de uma banda, dessas que começam na faculdade e terminam em um bar qualquer. Foi quando um outro alguém sugeriu que ela cantasse uma música no karaokê do restaurante, e eu, ali, feliz, mas com a cabeça brigando para decidir que tipo de dor doía, e com o estômago dançado la cucaracha, decidi que a última coisa que eu queria ouvir era uma cantora de bar em um karaokê qualquer. Mas era o meu aniversário, aquela festa toda para mim, deixa estar.
Que voz! No início da festa, do almoço, não sei ao certo o que era aquilo, era tanta gente que muitos conhecidos e arrastados me passavam desapercebidos. Mas aquela voz ali que cantava ao microfone sorrindo para mim, provavelmente apenas porque era o meu aniversário, não me passaria a esmo nunca!
O resumo da história é que ela só trabalhava no turno da manhã, tinha a tarde inteira livre, assim como eu, que trabalhava apenas em horário nenhum até o devido momento dessa história. Como todos já devem ter imaginado, convidei-a para sair, na verdade, acabamos sobrando ali no restaurante depois que todos voltaram às suas devidas atividades, e conviadei-a para algum programa de segunda-feira à tarde, como pegar os ingressos promocionais pela metade do preço nos cinemas.
Morena, profundo olhos castanhos, pele clara e um sorriso lindo me encantaram com facilidade. E eu, de barba por fazer, dor de cabeça e um gosto de bicho morto na boca devido ao álcool do dia anterior, mal sabia o que estava fazendo. Eu tinha decidido continuar procurando emprego naquele dia. Sempre havia a terça-feira, afinal, não é todo dia que se completa 25 anos.
Evito me afundar nos clichês cotidianos da vida moderna pulando a parte do cinema, na qual acabamos ficando e conversando um pouco. Não contei a ela que aquele era na verdade qualquer outro dia na minha vida, os assuntos correram rios distintos desse. Acabei me esquecendo.
Caminhávamos a uma quadra da sua casa, não muito distante, quando um carro estacionou ao lado da calçada, um Honda Civic dirigido por um homem de meia idade, cabelos grisalhos e olhar penetrante. Tão logo parou, Erica apoiou-se na janela do passageiro sorrindo:
— Oi pai!
Aquele homem, que mais tarde eu viria a conhecer como Marcelo, desceu do carro, abriu um sorriso e cumprimentou a filha com um beijo no rosto, depois estendeu a mão para mim, ainda sorrindo.
— Esse é o Marcos. Hoje é o aniversário dele. — Me apresentou Erica.
— Puxa vida, parabéns, meu rapaz! Quantos anos?
— Vinte e cinco… — Respondi, não sei se por estar encabulado por ter sido congratulado sem nem mesmo estar fazendo anos, ou se já nem lembrava que aquela data não era a certa.
— Querem saber? Entrem no carro, vamos tomar uma cerveja em comemoração a esse seu aniversário!
— E à sua promoção? — emendou Erica.
— Ahn, claro, a isso também! — sorriu de volta Marcelo
No final da história fomos para um bar ali no bairro, acabei descobrindo que o cara trabalhava com a mesma coisa na qual eu havia me formado e precisava de um novo assistente, agora que havia sido promovido. Não precisei nem pedir o emprego, ele me foi oferecido, como um passe de mágica.
Comecei o dia como aniversariante e terminei com uma namorada e um chefe, tudo isso graças a um erro de um site idiota. Fiquei devendo essa para o Orkut. No final da noite fui arrumar minha data de aniversário: 30 de Outubro.
Quem foi que nunca quis dois ou três aniversários em um ano?